Diogo Moreira e a Carta a Flaviano

Diogo Rafael Moreira escreveu um texto contra o Irmão Peter Dimond, discutindo a famosa tese da Carta a Flaviano, do Papa Leão I, em favor da rejeição do batismo de desejo. Rejeição baseada especialmente na passagem “Em outras palavras, o espírito da santificação e o sangue da redenção e a água do batismo, estes três são um e permanecem indivisíveis, nenhum deles é separável de seu vínculo com os demais.”

 

Além de dar sinal de desleixo e ignorância, porque aparentemente traduziu ele trecho da Carta a partir do livro dos Dimond, e formulou errado o modo imperativo negativo (e o fez duas vezes ao repetir a citação de modo ampliado), escrevendo “e não deixai passar” em vez de “e não deixeis passar”; o Sr. Moreira deu logo depois sinal de impiedade, a saber, ignorância da doutrina católica a respeito do Segundo Mandamento, não usar o nome de Deus em vão.

 

Escreve ele: “Porém, você não tem essa nobre desculpa [de poder errar sem má fé como certos fiéis ilustres], graças a Deus, você conheceu a obra do Ir. Pedro Dimond contra o batismo de desejo e, como uma consequência necessária, tem apenas duas opções: aderir ao ensinamento infalível do Papa São Leão Magno sobre a matéria da justificação ou cair em heresia formal, o que implicaria na sua danação eterna.”

 

Ele está usando o nome de Deus para zombar ou ironizar. Isto é, não para associar o nome à sua majestade e a um sentimento de reverência. O texto, pois, foi escrito por uma alma abandonada pelo Espírito de Deus; foi escrito por alguém tanto mais culpado porque sabe que nos tempos atuais se deveria consultar cuidadosamente os manuais de catequese clássicos para se orientar e pretender corrigir a heterodoxia e a impiedade alheias. Esse tipo de linguagem profana é completamente estranho aos Dimond, porque eles entendem de teologia moral. Um outro ponto é que, como o comprova o debate entre o Irmão Peter Dimond  e o Ken Bird, os Dimond de modo algum consideram anátema qualquer adepto do batismo de desejo que não tenha se detido profundamente sobre o assunto. É justamente por isso que o Irmão Peter Dimond escreveu um livro volumoso e interessante a respeito, que o texto do Sr. Moreira deixa, de muitos modos, transparecer que o Sr. Moreira não leu. O Sr. Moreira me disse pessoalmente, tempos atrás, que não o leu todo e que não tinha inclinação para isso, por achar a leitura entediante. Por isso, nem mesmo para melhor se adequar ao interlocutor e às objeções do interlocutor, num sinal nobre de aversão à auto-indulgência, quer ele se informar melhor. Isso é a violação de um princípio de respeitabilidade.

 

Continua o Sr. Moreira: “Se a heresia refutada é o monofisismo eutiqueano, então é evidente que o Papa São Leão Magno não pode estar falando diretamente sobre a justificação, um tema que só será definido na sexta sessão do Concílio de Trento. Não estamos aqui em uma querela protestante do século XVI sobre a justificação do fiel, mas em uma controvérsia cristológica do século V sobre a natureza do Filho de Deus. Portanto, aqui já cai por terra a afirmação de que a dita carta é mais específica do que a declaração solene do Concílio de Trento.”

 

E mais adiante: “Fala-se evidentemente da justificação, porém não se fala da doutrina em si, mas da justificação como testemunha ou prova da Encarnação: da mesma forma que a negação da Encarnação (eutiqueanismo) termina na negação da justificação, a afirmação da justificação dá testemunho da Encarnação.”

Ele obviamente se atrapalhou todo. Confundiu o “falar da justificação diretamente” com “falar primariamente de ensino sobre justificação”. Se a Carta a Flaviano fala da justificação, então fala diretamente da justificação, não indiretamente. A justificação constitui um dos objetos discutidos, embora o Concílio de Calcedônia não tenha sido convocado por causa da mesma disputa em torno dela que surgiu no séc. XVI; e é precisamente essa interpretação que os Dimond supõem que o leitor deve fazer.

 

Do fato de um assunto não ser o objeto primário discutido, mas secundário, não segue que os elementos seus e suas propriedades não podem ser qualificados e definidos de algum modo. Mas sucede que mesmo essa tese, de que a justificação não é o tema primário da Carta a Flaviano, é ela mesma uma superstição e um erro.

 

1 João 5:5-6: “Quem é ele que vence o mundo, senão ele que crê que Jesus é o Filho de Deus? Este é ele que veio da água e do sangue, Jesus Cristo: não pela água apenas, mas pela água e o sangue. E é o Espírito que testifica que Cristo é a verdade.”

 

Essa passagem, com as seguintes, está falando que a justificação é uma propriedade da incarnação; o que o próprio Sr. Moreira admite confusamente, quando diz que “a negação da Encarnação (eutiqueanismo) termina na negação da justificação”. A propriedade de algo é um aspecto da essência de algo; por isso, a justificação é um aspecto da Incarnação. O texto está falando da propriedade salvífica da incarnação, e as três testemunhas terrestres, “água, sangue e Espírito”, são aspectos da justificação, e simultaneamente são aspectos da incarnação. Separar a justificação da incarnação é como separar “capacidade de estudar gramática” de “homem”; não faz sentido porque se você tem uma coisa, tem a outra, e vice-versa; o que será melhor embasado subsequentemente. É por isso, entre outros aspectos, que os opositores de Eutíquio se irritaram tanto com a sua heresia.

 

Isso não é inteiramente evidente para o Sr. Moreira porque ele; em primeiro lugar, nega às três testemunhas o serem princípio da justificação e simultaneamente da incarnação, quando diz que na Carta “não se fala da doutrina em si, mas da justificação como testemunha ou prova da Encarnação”. A relação entre as testemunhas e a incarnação, parece ele indicar, é apenas uma relação entre evidência e fenômeno evidenciado; ideia essa que se opõe a todo o sentido da Carta a Flaviano. A carta está dizendo justamente que a incarnação não pode ser separada da justificação, não por uma relação de causa e efeito; mas porque as duas coisas são a mesma coisa. E essas figuras de simbolismo sacro, “água, sangue e espírito”, são o meio de explicar como isso ocorre, e em que sentido.

 

Moreira faz a seguinte citação de Cornélio a Lápide, um jesuíta renascentista: “Misticamente, entende-se por espírito, água e sangue as três coisas que concorrem para a nossa justificação e assim dão testemunho de Cristo, por cujos méritos e poder se alcança nossa justificação. Assim o sangue significa o mérito do sangue e morte de Cristo que nos foi aplicado como justificação, a água significa a ablução e purgação dos pecados, o espírito significa a aspiração e infusão do espírito, ou seja, da vida espiritual, da graça, da caridade e das demais virtudes que nos fazem justos. Donde diz S. Ambrósio lib. De spiritu sancto cap. 11: o espírito renova a mente, a água nos lava, o sangue é o preço. Assim também Cirilo de Fide ad Reginas, e S. Leão epist. 10 c. 5. São três, diz, o espírito da santificação, o sangue da redenção e a água do batismo.”

Segue o Sr. Moreira:

 

“Essa interpretação, que não é senão uma leitura cuidadosa do excerto referido, destrói outros dois erros do artigo do Ir. Pedro Dimond, a saber:

a) a afirmação de que somente o Espírito de santificação significa a justificação, quando na verdade as três coisas mencionadas são parte constitutiva do processo de justificação;”

Esse dizer mostra que Moreira desconhece o simbolismo sacro do batismo, e a noção mesma de simbolismo sacro, o qual simbolismo não era ignorado pelos padres da Igreja. Ele não tem a menor ideia de que o tema do simbolismo, em particular do batismo, é parte constitutiva da discussão na qual pretende se engajar; e porque um autor renascentista não referiu o tema diretamente, e talvez o desconhecesse; nem o fizeram as citações de alguns padres, Moreira com ousada impertinência e ilusório senso de domínio sobre o assunto, projeta sobre o assunto uma abordagem que reduz o assunto a matéria de linguagem puramente ordinária, e não sacra. É isso que ele faz ao estabelecer distinção entre as três testemunhas como se fossem conceitos típicos da linguagem ordinária, quando na verdade são símbolos sacros.

 

O símbolo sacro é o elemento de uma linguagem por definição mais universal em escopo do que a linguagem ordinária; é uma linguagem que fala daquilo que não pode ser definido, porque se afigura o princípio intelectivo que permite definir e promover a linguagem ordinária. Assim, associar o “espírito da santificação” à justificação enquanto tal não pode ser um erro interpretativo, se o símbolo sacro, por se carregar de várias camadas de sentido, não pode ser cerrado em nenhuma camada ou faixa de sentido em particular. Por exemplo, o simbolismo do sol pode associar o sol ao princípio manifesto do mundo; por exemplo, um rei usa a coroa, símbolo solar, para destacar que ele é o princípio da manifestação do reino. Mas o sol também pode ser associado ao simbolismo do centro, que é mais principial que a manifestação, e independe dela. Por exemplo, o rei manifesta o mundo humano e é o centro dele, mas ele próprio é movido por algo ainda mais latente, como o desígnio divino, que em certo sentido é escondido, não manifesto. O sol também está associado ao simbolismo do polo (por causa da sua estabilização mais ininterrupta nos polos terrestres), isto é, está associado ao simbolismo do eixo vertical terrestre como ordenado por uma diferenciação, e neste caso o sol aduz a ideia de uma forma derivativa de centro ou princípio absoluto, a saber, o eixo vertical, que é aquela expressão do centro sob o aspecto de o centro ser o princípio de uma oposição ou diferenciação. Uma das extremidades do eixo vertical pode simbolizar a contemplação, a outra a ação; a primeira como fonte da segunda, ambas como princípio de tudo mais, tal simbolizado pela rotação terrestre. No primeiro caso o sol se resume a manifestação, no segundo a princípio absoluto, no terceiro a um princípio causal ordenado por uma diferenciação. Todos esses sentidos são verdadeiros, e de modo algum se excluem mutuamente.

 

Segue Moreira:

 

“b) a interpretação literal de água do batismo como o sacramento do batismo, o que é arbitrário e sem fundamento, uma vez que São Leão Magno está falando em sentido místico.”

Dizer isso é tão artificial quanto falar que a mulher perseguida pelo dragão, e que deu à luz o Messias, em Apocalipse; é arbitrário e sem fundamento postular que seja Maria, Mãe de Deus. E é precisamente essa artificial postulação que um protestante estaria inclinado a fazer, por falta de conhecimento do simbolismo sacro, e para evitar a ideia da intercessão mariana permeando a história eclesiástica, amparado no fato de a mulher em Apocalipse não ter Maria como única camada de sentido. Moreira está usando a linguagem de Cornélio para separar o sentido imediato ou direto do sentido do simbolismo sacro; e porque Moreira não compreende a diferença entre a linguagem do simbolismo e a linguagem ordinária, ele acha que tem de excluir um dos sentidos da linguagem sacra em benefício de outro; e com isso se torna para ele impossível atinar que a interpretação de Cornélio para as três testemunhas terrestres é na verdade relativamente profana, e de modo algum esgota o simbolismo do batismo e das três testemunhas. Ao contrário, a citação de Cornélio encobre o sentido mais importante, e suprime noções que são evidentemente advindas de tradição eclesiástica, provavelmente tradição apostólica.

 

É evidente que o termo no grego que designa as “testemunhas” tem a mesma raiz da palavra “mártir”; qualquer um pode checar a passagem de 1 João 5:5-8 no grego do Textus Receptus (por exemplo, no site Biblehub). E a palavra “mártir” significa etimologicamente não apenas o cristão que morre para professar a fé, ou sob perseguição religiosa, mas evoca a ideia de um cuidado associado à emoção de pesar, um ponderar, um rememorar, isto é, diz de certa ebulição filosófica e estado de iniciação, ou desvelamento de grandes proporções.

 

1 João 5:7-8 diz “E há três que dão testemunho no Céu, o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo. E esses três são um. E há três que dão testemunho na terra: o espírito, a água, e o sangue: e esses três são um.”

 

À luz das Pessoas Divinas como princípios da iniciação ou do “martírio”, se estabelece a ação delas em paralelismo com as três testemunhas terrestres. Essas três testemunhas são causas formais tanto da incarnação, quanto da justificação. O texto, pois, está falando exatamente da justificação e do que a ocasiona, mas está usando o simbolismo sacro extraordinariamente sintético ou carregado de latência; que é um tanto descontínuo com a formulação dogmática de Trento; e por isso mesmo, sob o aspecto iniciático, é uma formulação mais principial; assim como o simbolismo do centro é mais principial que o simbolismo solar associado ao polo.

 

Para explicar as testemunhas como simbolismo sacro, é necessário explicar o simbolismo do centro. Ele se limita, na sua materialidade, a um ponto cerrado por uma circunferência. O ponto é aquilo que, imune a todo movimento e a toda alteração, ocasiona tudo mais. A circunferência significa a manifestação, e a expressão remota do ponto, que é aquilo que Santo Tomas chamava “inamovível movente”. Na circunferência está a pluralidade, no centro a universalidade guardando tudo latente; o que se aplica a bem mais do que a diferenciação entre espécie e gênero em um sentido puramente individual. A ideia de que se há um princípio, ele é “mais real” do que a sua circunferência, foi atribuída à tradição do Oriente em um sentido pejorativo de negação supersticiosa e gnóstica do mundo sensível e das coisas contingentes. Entretanto, deixando de lado essa controvérsia, se vê que o arco ou ângulo da circunferência é alusivo do centro, e é uma propriedade do centro, não uma negação dele. É esse um paradoxo que Santo Agostinho, me parece (e eu o digo a despeito de não ser um leitor muito experiente nesse padre), expressou de certo modo ao referir o paradoxo de que Deus independe das suas criaturas, mas a sua majestade exige devoção e adoração, que são dadas pelas criaturas. Ele não consegue dissipar essa contradição de modo absoluto, mas a deixa nas mãos de Deus.

 

As três testemunhas são “espírito, água e sangue”. O espírito significa sopro, aquilo que é mais invisível e principial. Significa o próprio centro, e alude ao simbolismo da “porta estreita”, uma realidade pouco acessível. O sangue significa o plano mais apartado do centro. Isso é simbolizado pelo simbolismo do ponto no centro de um quadrado. Ao contrário da circunferência, que alude a certa indeterminação (contraste entre conhecido e desconhecido), o quadrado alude àquele aspecto do mundo que é tão mais determinado quanto menos alusivo do centro; se tratando do plano mais quantitativo do que qualitativo, do que exige menor iniciação para ser apreendido, do que é mais contingente ou acidental; do plano sensível no seu sentido mais profano. A água representa um campo intermediário entre o espírito e o sangue, que é o plano mental. É por isso que os  sacramentários tradicionais recomendavam que o padre, ao abençoar a água batismal, marcasse a água com a letra grega “psi” (Ψ ), que é um radical da palavra “mente” em grego, donde vêm palavras como “psique” e “psicologia”. Em adição a isso os batistérios, onde o batismo é realizado, desde tempos eclesiásticos imemoriais, sempre tiveram uma forma octogonal (oito lados), para indicar um estado intermediário entre o quadrado (sangue ou mundo sensível) e o círculo (espírito ou princípio absoluto); porque a forma octogonal é o mais primário símbolo de aproximação entre um e outro plano, o número de lados seu é a multiplicação de quatro por dois.

 

Para Cornélio, e simplificadamente, o sangue representa o mérito, a água a purificação, o espírito o curso santificante. Tudo isso é verdade, visto sob certo ponto de vista, mas tal é uma faixa do simbolismo em linguagem ordinária, portanto é uma expressão limitada do que o simbolismo intenciona dizer.

Relembrando o que disse o senhor Moreira:

 

“b) a interpretação literal de água do batismo como o sacramento do batismo, o que é arbitrário e sem fundamento, uma vez que São Leão Magno está falando em sentido místico.”

 

Se a água representa o plano mental (intermediário; e como tal filosófico e iniciático) entre mundo sensível e mundo suprassensível, é impossível separar a água daquilo que como propriedade, e não acidente, se carrega tanto do elemento sensível quanto do elemento suprassensível. O sacramento do batismo é precisamente uma expressão dessa faixa intermediária da existência; portanto é impossível que ao dizer “água do batismo” Leão I estivesse falando de algo alheio ao sacramento do batismo. Não é arbitrário e sem fundamento de modo algum, mas o contrário disso é que é arbitrário e sem fundamento. Ao falar da união das três testemunhas, Leão I está falando do paralelismo entre o efeito salvífico do Filho incarnado, isto é, a união do absoluto e do mundo sensível por meio de um campo intermediador e unificador, e o efeito salvífico do batismo. Ele está dizendo que Jesus foi verdadeiro Deus e verdadeiro homem, e por isso o Cristo e o Salvador, de modo paralelo à água batismal significar o acesso ao absoluto tomando do sensível. Nessa esteira é perfeitamente aceitável que se interprete que sem o elemento sensível, a água, não há o elemento suprassensível, a justificação.

 

O trecho abaixo mostra como o Sr. Moreira está aquém do status quaestionis da discussão:

 

“3. Explicação do termo “água do batismo”

 

A justificação enquanto testemunha de Cristo consiste em três coisas: redenção (sangue), purificação (água) e santificação (espírito). Todas essas coisas são realizadas por Cristo na alma dos fiéis, tudo isso faz parte da justificação. Nesse contexto, a água do batismo não pode significar o sacramento do batismo (a causa instrumental da justificação, que certamente inclui as três coisas juntas), mas unicamente um de seus efeitos, isto é, o perdão dos pecados.”

 

Mais adiante ele tece argumentos de autoridade, que Santo Tomás considerava os mais fracos. Por exemplo, citando o catecismo de São João Batista de La Salle (que não é uma fonte infalível) em favor da ideia de o batismo de desejo, a desnecessidade “parcial” do sacramento, ser constantemente professada pelos padres. Disso se concluiria que a doutrina do batismo de desejo é uma expressão do “Magistério Universal e Ordinário”, que é infalível. Mas isso não é de modo algum verdadeiro. Esse é um dos pontos extensivamente discutidos no estudo dos Dimond, que o Sr. Moreira aparentemente morrerá sem conferir. Um exemplo disso é que Pedro Abelardo, um professor célebre de teologia moral na Idade Média (suspeito de heresia a respeito de outros assuntos, e muito erudito), rejeitou a ideia de que o batismo de desejo fosse sequer associável à tradição cristã. E Santo Agostinho, como é notório, ponderou a validade do batismo de desejo longamente, terminando por decidir em favor, e inclinado a tal não por uma disciplina magisterial formal, mas simplesmente, e livremente, tendo São Cipriano como referência. Se realmente fosse uma doutrina notoriamente magisterial, a dúvida prolongada de Santo Agostinho seria uma impiedade e uma heresia. Por exemplo, o Papa Clemente XIII discorreu sobre a penitência e o jejum na quaresma. (Appetente Sacro, 20 de dezembro, 1759.) Contradizendo certa fonte, me parece o Liber Pontificalis, o Papa Clemente XIII disse que a disciplina da quaresma é uma tradição apostólica, não posterior, e universalmente aceita como tal pelas gerações. Isso equivale a tornar essa noção ensinada sob clave do Magistério Universal e Ordinário. Recuar dela e duvidar dela, alegando o Liber Pontificalis, é uma heresia, porque a disciplina eclesiástica apostólica e legada a toda geração tem relação com a doutrina revelada. Assim, o batismo de desejo não era considerado uma expressão do Magistério Universal e Ordinário na geração de Santo Agostinho coisíssima nenhuma; porque ele duvidou por longo período do batismo de desejo (a qual doutrina alguns scholars, como Pedro Abelardo, consideraram de modo nenhum típica dos padres). Ele duvidou simplesmente porque não é algo ensinado por essa expressão do magistério.

 

Isso leva a um outro ponto, a respeito do qual eu mesmo já adverti o Sr. Moreira em vão: pessoas bem mais eruditas que ele, e com quem ele alega comunhão, pessoas ademais há mais tempo partícipes dessa controvérsia, como o Padre Cekada, simplesmente recuam de chamar a rejeição do batismo de desejo “heresia formal”; entre outros, porque o magistério solene não definiu pelo batismo de desejo. O Pe. Cekada propõe, no entanto, como certo; que é ao menos “um erro com odor de heresia”. O Sr. Moreira não entende de direito canônico o suficiente para fazer essas distinções; tanto menos pode atinar com o fato de que ao aceitar o batismo de desejo em um sentido diferente da necessidade absoluta da fé proposta no Credo de Santo Atanásio; em favor de uma interpretação insinuadora do indiferentismo, contida em fontes bem mais recentes; ao aceitá-lo, o Pe. Cekada inverteu a ordem hierárquica do princípio disciplinar obrigante; e se aproximou do ponto de vista modernista. Por isso não é de estranhar que o Sr. Moreira acuse os Dimond de heresia  pura e simples, uma vez que ele não tem a menor metodologia para estabelecer a heresia formal de alguém, senão a impressão deixada pela pregação dos clérigos e fontes à sua disposição, fora dos quais para ele basicamente nada mais existe. É por isso que, segundo presumo, ele jamais se interessaria por estudar o simbolismo sacro desde o René Guénon (a despeito de os padres notoriamente terem se fiado no estudo de literatura profana), conforme já deixou claro; ou abandonar, por meio de estudos, superstições sobre o hinduísmo.

 

Sobre Pedro Henrique de Lima

Pedro Henrique de Lima, residente em Belo Horizonte, Minas Gerais; cursou disciplinas de Ciências Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais e outros cursos com notoriedade. Em seus estudos ele especializou-se em disciplinas da lógica. O autor-professor oferece o exame, desde várias disciplinas e perspectivas, de temas relevantes.
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13 respostas para Diogo Moreira e a Carta a Flaviano

  1. Incrível! Este ser humano já fora refutado inúmeras vezes pelo Magistério solene. Mas sendo ele um herege obstinado, ele tampa seus próprios olhos e o orgulho o arrasta cada vez mais ao Inferno. Eu espero pela conversão dele, mas, no momento, ele é um herege que caiu isso facto para fora da Igreja Católica, a única e verdadeira Igreja de Jesus Cristo, fora da qual não há salvação.

    • No que me concerne, caso ele não abra mão de rejeitar a leitura do livro dos Dimond, todo ele, após ler o meu texto, estará fora da Igreja; porque se tratará de uma auto-indulgência com má fé.

    • Você se encontra em uma posição parecida com a de Diogo Rafael Moreira, porque confrontado com o conteúdo deste texto “Diogo Moreira e a Carta a Flaviana”, que você claramente aprovou com entusiasmo no passado e professou ser compatível com a revelação cristã, agora você suprime e desencoraja que as pessoas conheçam quanto possível esse conteúdo. Segundo sugeriu Marcos Roberto você professa que eu nem sou um católico, o que eu professo ser uma posição cismática. O conteúdo do texto “Diogo Moreira e a Carta a Flaviana” passou a se tornar herético? Se sim qual é a evidência? Se não, por que você não professa essa posição ortodoxa, quando os católicos são obrigados a professar a fé verdadeira, em vez de a suprimir (como você fez, tirando o texto do site com aversão a se associar a mim). Eu vou publicar material contra o partido herético e nicolaíta com o qual você aparentemente se alinhou, e eu vou me deter em grande detalhe no seu caso.

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  4. Valentim disse:

    Parabéns Pedro, Deus abençoa você!

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